segunda-feira, 2 de abril de 2012

Eternamente apaixonada por Fernando...

"Conhece alguém as fronteiras de sua alma, para que possa dizer -eu sou eu?"

"Segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas...O resto é sombra de árvores alheias."

"Porque eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura"


Fernando Pessoa

sábado, 10 de março de 2012

Eu, insone...

A madrugada, mesmo quando há melancolia e faz frio, nunca deixa de me varar pelos membros, como se me atirasse flechas de um gelo penetrante e rútilo. Descerro as grossas cortinas e busco o primeiro brilho do céu, que mostra que a vida está a irromper. Rosto colado na vidraça, gosto de imaginar que me comprimo o quanto posso contra a muralha espessa do tempo, que sempre se alteia e estira para permitir que outros espaços de vida venham de encontro a nós. Que a mim pois seja dado saborear o momento, antes que ele se propague pelo restante do mundo!

Virginia Woolf

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Ensaio sobre o recomeço


Meu profundo reconhecimento e gratidão á aqueles que aprenderam a recomeçar e me inspiraram com os seus exemplos. A aqueles que não sucumbem ao peso do fim, mas que enxergam a semente de um novo começo. Que não se conformam em estar no mundo, mas acreditam na transformação de seu próprio mundo (porque o nosso mundo é apenas aquele que moldamos). E... silenciosamente... de dentro de um lugar misterioso, um santuário oculto dentro deles mesmos, conseguem extrair a força para novamente, começar. E continuar. Que eu também enxergue o caminho para o meu santuário. E quando eu esquecer o caminho, nos momentos em que eu me perder por outras veredas, brilhantes e atrativas, mas que acabem (uma ou outra vez) em nada... que os santos do meu caminho, os santos que vivem e os santos que se foram, me ajudem a reencontrar o sagrado lugar.
E que eu possa remodelar, com argila nova e água fresca, todas as minhas criações. E que eu possa devolver á terra aquelas que não me servem mais, que o olhar para trás não me impeça de seguir adiante.
Que eu tenha sabedoria para me render prontamente diante do inevitável. E que então, nesse momento, eu sinta a rendição como uma manifestação da minha força.
Que eu sinta gratidão por tudo aquilo que fui ontem, mesmo que não tenha sido o que gostaria de ser, as sementes foram plantadas.
E que eu possa apreciar graciosamente aquilo que sou e onde eu estou.
E olhar o novo dia que amanhece. Com suas possibilidades ocultas e fascinantes, e que já faço minhas.
Que o meu olhar se renove. Sempre e para sempre.
Feliz 2012.

domingo, 18 de dezembro de 2011

A arte de quebrar espelhos


" NÃO VEMOS AS COISAS COMO SÃO, NÓS AS VEMOS COMO SOMOS"

Talmud

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Desnecessário denominar

"DENTRO DE NÓS HÁ UMA COISA QUE NÃO TEM NOME, ESSA COISA É O QUE SOMOS."

José Saramago

E...

Quem entre nós consegue determinar com a exatidão das palavras, aquilo que se é, em seu ser mais profundo e oculto entre suas (múltiplas) superfícies?
Eu não.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Fazendo das palavras dela minhas palavras...

"E um dia virá, sim, um dia virá em mim a capacidade tão vermelha e afirmativa quanto clara e suave, um dia o que eu fizer será cegamente seguramente inconscientemente, pisando em mim, na minha verdade, tão integralmente lançada no que fizer que serei incapaz de falar, sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com o meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! o que eu disser soará fatal e inteiro! não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existem o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante: sempre fundido, porque então viverei, só então viverei maior do que na infância, serei brutal e malfeita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas, ah Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a incompreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo, de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo."


Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem.

domingo, 31 de julho de 2011

A festa de Aline

Aline nasceu dez anos e mais um dia antes de mim, e sempre nos uniu a coincidência dos nossos aniversários. Todos os seres humanos próximos buscam se unir em pequenas e grandes coisas, e essas pequenas muitas vezes são as mais importantes.

Ontem á noite fui á festa de Aline, num castelo medieval onde havia muitos arqueiros e um bárbaro de gritos guturais e de cabelos longos ruivos que gesticulava obscenidades inocentes para uma plateia faminta e sedenta. A plateia aplaudia e pedia mais.

No meio do salão, alguns mortos-vivos pendurados pelas paredes me olhavam, ora de soslaio, ora tão penetrantemente que ás vezes até me deixavam assim meio encabulada.

Um deles me disse que seu nome era James. James Douglas Morrison, repetiu ele devagar para ter certeza de que se faria entender. Eu olhei para ele mas ele olhava apenas para si mesmo. De seu pescoço saltava um grande pomo-de-adão que caracterizava uma masculinidade predatória, ele era mesmo um homem impressionante, pensei.

No outro extremo do salão de bailes havia outra jovem e simpática loura, não seria Aline a única loura da festa, afinal. Essa outra loura, dissimuladamente me olhava. Numa voz balbuciante me disse ser seu nome Norma, mas que eu ficasse quieta a esse respeito, seus amigos a chamavam Marilyn.

Norma me confidenciou os seus dramas de mulher, porque todas as mulheres compartilham seus pequenos grandes dramas. Eu também eu também, tive de concordar com ela algumas vezes, ser uma mulher solidária, porque eu também tenho os meus ... Mas sua fala doce e falsamente tímida foi ficando perturbadora á medida que ela prosseguia. A música de bardo do bárbaro já não se sobrepunha ao barulho do meu coração louco e descompassado, de maneira que tive que deixar Norma e me dirigir ao toillete, apressada.

Não notei a fila e ia me desviando de outra garota loura que vociferou de raiva por eu ter passado á sua frente, ela discutia com um namorado ocasional algo que enchia seus olhos de lágrimas. Parecia só e desiludida em sua bad trip e talvez me enxergasse com olhos irreais, ela olhou-me com raiva infantil e eu esperei um xingamento mas de sua boca saiu um patético “looser”. Meu riso cascateava por dentro, tive vontade de retrucar com a frase de Clarice “Se eu fosse uma vencedora eu morreria de tédio”, mas me calo e a deixo passar.

Ela entra no banheiro e eu recomendo ao seu namorado cautela ao lidar com as mulheres instáveis. Ele me sorri, curioso e chapado, e conversamos amenidades até que ela saiu com o rosto transformado e úmido.

Eu entro, retoco a minha maquiagem e tento esquecer os meus mortos, que eles descansem em paz ou tentem viver uma nova vida, faço votos insinceros.

Ao sair procuro por Aline e de repente todos estão procurando por ela. Aline circulava leve, e borboleteando entre uma mesa e outra se dividia entre diferentes rodas, família, amigos, trabalho, e não era essa a divisão? Ocorre que ás vezes os limites são muito tênues e tudo acaba se misturando numa anárquica celebração de muitos anos de vida.

Quanto á mim, o que me resta é entregar-me á música e ao momento, á mistura de sons e silêncios, excitações e pausas. Que me conduziam e me faziam sentir minhas incômodas densidades se esvaindo em leveza, em prazer, em êxtase, em nada.

A música do bárbaro tinha o dom de aquietar os meus demônios.

Acordo na manhã seguinte com a alma leve e o corpo doído, a me lembrar que a balada é para os jovens com “x”. O som do telefone estridente e alguém me chamando para o almoço, respondo que já vou, apenas preciso de um tempo para um café bem forte.

Dedico este texto a Aline, que faça muitos e felizes aniversários.